Os utentes da Associação de Apoio a Doentes com Cancro não se esquecem
de apontar na agenda o dia. Na última 5ª feira do mês, João Alves
aparece para a aula e durante uma hora não existem problemas.
O grupo mexe-se de um lado para o outro, sem queixas nem dores.
Terapia? Divertimento? Ambos, dizem todos, porque ali sacodem a solidão,
desabafam com quem sofre da mesma doença e fazem amigos.
Ao
início da tarde, sempre na última quinta-feira do mês, a sala tem a
aparelhagem pronta a tocar e os alunos chegam a horas. O som começa a
tocar e pouco depois já há corpos suados, rostos corados, alguma fadiga,
mas não há canseira que demova os alunos de João Alves. Há um ano este
professor de danças de salão levou até à Associação de Apoio a Doentes com Cancro, na Senhora da Hora, em Matosinhos, os movimentos que ensaia na sua academia.
Cada um frequenta as aulas ao seu ritmo. Os dias de consulta ou de
tratamento nem sempre são compatíveis com este bocadinho de tempo em
ambiente de amizade e sem olhares avaliadores. Olga Monteiro, 51 anos,
tenta contrariar tudo isto, porque a dança é mais um passo para se
libertar do mal que a vida lhe trouxe.
Depois da aula há, ainda,
alguns minutos para lanchar. A mesa está posta. Tem pastéis de nata e
chá quentinhos. O grupo não sai, sem partilhar mais alguns desabafos, já
depois da dança. Luís Moreira é o único homem e garante que é um mestre
"em dança de baile".
Maria do Céu Fernandes entra na brincadeira
com facilidade é desta casa há mais de sete anos. A dança foi opção
imediata, porque aqui "sente-se leve. Não me dói nada".
A blusa
cor-de-rosa de Ana Gomes, que ficou manchada de suor durante a aula,
está quase seca nas costas. Também ela não falta à chamada da dança, que
encara como um momento de diversão e como uma terapia contra os "dias
maus".
João Alves também está sentado na mesa. Fica para escutar
os desabafos dos alunos. Quando chega ao início da tarde, o professor é
recebido com sorrisos. Sabe que aquele momento é, para eles, importante,
por isso, empenha-se em lhe proporcionar um momento de boa disposição,
com muito ritmo e sem condescendências.
Francisco Vieira,
psicólogo, coordena as atividades da associação de Apoio a Doentes com
Cancro. Garante que estes momentos de socialização são um bálsamo. "O
objetivo da dança é diminuir o isolamento social. Assim evitamos que
fiquem em casa, mergulhados em pensamentos negativos".
Aqui,
explica, Francisco Vieira, estes doentes trabalham o físico e a mente.
Os resultados são evidentes. Há um antes e um depois. "Aqui ninguém se
queixa. Não há vitimização".
Os passos desta associação cruzam-se
com a história de Susana Duarte, uma das coordenadoras. A sua mãe foi
uma das fundadoras, em 2005, quando precisou de ajuda.
A
Associação de Apoio a Doentes com Cancro apoia cerca de 380 utentes do
distrito do Porto. Muitos gostavam de estar aqui, ou de vir até cá, mas
estão impedidos por limitações financeiras. "Às vezes, a distância é
limitadora".
Para além das atividades lúdicas e de bem-estar, a
Associação de Apoio a Doentes com Cancro vai respondendo, como pode, a
todo o tipo de pedidos. Mas não a todos, o dinheiro não chega para tudo.
Com poucos apoios do Estado vai valendo a rede de voluntários e técnicos que dispõem do seu tempo para ajudar o próximo.